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A Luta

A luta no sentido místico de modelar idéias é contraposta à briga, na forma estúpida de emitir ou impor a personalidade.

Geralmente, quando diante de nós se apresenta um rival em particular, dão-se as condições para iniciar um combate. Como é lógico supor, faremos todo o possível para ganhar, deixando bem clara a nossa superioridade sobre o qual nos tem cruzado a sorte.

Então, se prestarmos atenção nesse detalhe, descobriremos que, na maioria dos casos, quando começamos um combate com essa maneira de pensar, acabamos surpreendidos pela derrota.

Quando se fala em querer ganhar, diz-se pôr ao serviço desta finalidade toda a nossa força e astúcia, que fortificarão o espírito de competição. Certamente, se de nós se apodera o espírito competitivo, outro tanto se passará com nosso oponente. Deste modo perdemos a harmonia da luta, já que tratamos de impor nossa lógica de acordo com as regras de combate que conhecemos, diante de alguém que pretenda fazer exatamente o mesmo. Por isso devemos ter consciência de que a lógica é limitada e que desta limitação, obstrui-se o caminho da criação. Evidentemente, sem criação a arte se torna vazia.

Se supostamente, o objetivo das artes guerreiras é vivenciar o problema básico de negação ou de afirmação do ser e não ser, chegando além dos pares opostos, não será precisamente o caminho da lógica a escolha certa, mas o da espontaneidade.

Existe um “princípio duplo”, os pares opostos conhecidos entre os chineses como Yin e Yang. Este princípio está representado por um círculo dividido em duas partes que representam dois dragões, ambos invertidos entre si. Estes são dois princípios cósmicos, a dualidade básica, o céu e a terra.

A linha média sinuosa que divide os opostos é o Yen, ou seja, o homem. O homem é o elemento unificador, o que reduz em si a unidade destes elementos. É a síntese que se dá como conseqüência da união dos opostos e, como síntese desta oposição, o homem não divide, mas valoriza.

A linha periférica que rodeia a ambos é chamada Tao, ou seja, a consciência transcendente da unidade.

Digamos que um indivíduo se encontra em um estado de consciência cuja mente é capaz de viver em um instante o positivo e o negativo. Este indivíduo passaria por um estado de consciência superior, transcendente ou de realização.

Para que haja arte marcial, o individuo deve não somente estar unificado, mas também alcançar a unidade com seu opoente.

No momento da luta, o homem deve estar em plena consciência com si mesmo. Porém, como a luta é entre dois, deverá tomar consciência de ambos. Mas como? Concentrando-se desta forma, surge o risco de ser surpreendido ou de nunca tomar iniciativa. Então, encontra-se em jogo um momento difícil, já que a mente se ocupa com a atividade de dois corpos. Esta é a dualidade.

A técnica que se deve empregar consiste em tratar de superar a dualidade, tendo consciência plena da situação. Deve-se chegar a um estado em que controlamos movimentos adversários, tão bem quanto aos nossos. A mente precisa decifrar precisamente o desenvolvimento das ações.

Já não há consciência pessoal, mas universal. Por tanto, antes de iniciar o combate, há uma saudação recíproca. Esta representa a consciência da unidade transcendente, ou seja, o Tao.

A consciência se expande a tal ponto que, durante o combate, percebe-se no outro o resto da sua totalidade. Assim, temos comprovado que a finalidade na busca do homem se encontra na natureza. A luta, enfim, não é mais que uma forma de busca pela harmonia total.

Se o homem logra esquecer seu sentido de competição, poderá competir em qualquer parte, pois estará em harmonia.

A razão das artes marciais repousa na natureza humana, enquanto que esta representa o universo. Com tal concepção, nos deparamos frente às técnicas que, ao invés de gerar violência, cumprem o papel de amenizá-la, posto que a violência consiste em atentar as leis naturais. Logo, um golpe deixa de ser violento e se torna uma “obra de arte”.

A arte marcial é apenas um dos tantos esquemas que, expressam sua realidade de acordo com a natureza. A luta não é uma finalidade, mas um meio para definir essa realidade.

Quando o homem luta, deve projetar o melhor de si. Assim que outro indivíduo recebe a informação, cabe ao mesmo se manifestar perante esta realidade.

É triste observar hoje em dia, como as competições e torneios têm desvirtuado o sentido da luta a um enfrentamento de personalidades. A intenção da busca pela realidade transcendente fora substituída por meras premiações. Nestes tempos, já não existe outra finalidade senão a “forma vazia”.

A verdade está além de toda a forma, e não se pode ascender uma realidade através de uma forma vazia. Por esse motivo, o homem vive um processo de evolução somente quando toma consciência de que em seu interior se encontra um ponto de apoio para não se tornar vítima deste mundo de fenômenos. A atitude de um homem deve predominar sobre as coisas para determinar um processo.

Não existe razão para acreditar que a competição é necessária para o progresso. Mesmo quando toda a competição é finalizada, a natureza oculta em cada um de nós, torna-nos perfeitos. A técnica serve, então, para disciplinar o meio no qual o indivíduo está se desenvolvendo, e as distintas formas pelas quais o homem tem acesso lhes vão determinando um comportamento específico.

Ao compreender a natureza da arte marcial, chegamos a compreender nossa própria natureza e concluiremos assim, que elas apresentam uma relação harmonicamente universal. Esta harmonia está no dinamismo da natureza, pois não há posição fixa, tudo atua neste meio, logo, o homem deve atuar também.

“Pode um homem vencer mil guerreiros em mil batalhas diferentes, mas aquele que vence a si próprio é o maior dos guerreiros.”
- A Sabedoria Kung Fu -